Com compromisso diário de observar a lavoura e formular receitas para conter pragas, produtores ecológicos mantém viva uma agricultura onde os químicos ainda passam longe dos alimentos. Nas lavouras gaúchas — a maioria nas regiões Metropolitana, Sul e Litoral —, hortaliças, frutas e grãos são cultivados sem nenhum agrotóxico, fertilizante sintético ou variedade transgênica.
Embora ainda tímido, ocupando 1 milhão de hectares no país (0,3% da área agrícola), o cultivo de orgânicos atende um mercado cativo e fiel: classe média-alta e compradores que ditam o consumo como forma de inspirar uma transformação nos hábitos alimentares da sociedade.
No Estado, são quase mil agricultores ecológicos que priorizam técnicas naturais ao produzir alimentos. Sem tecnologia química ou transgênica para conter o ataque de doenças e potencializar o desenvolvimento das plantas, enfrentam risco maior, têm menor escala e gastam mais com mão de obra.
O custo mais alto explica o preço em média 40% superior dos alimentos orgânicos nas prateleiras, de acordo com dados da Associação Gaúcha de Supermercados (Agas). Alguns produtos, como o tomate, custam até o dobro do preço.
— Não conseguimos produzir grandes quantidades. Por isso, precisamos compensar com um valor maior na hora da venda. Somos um grupo pequeno, mas consciente do que produzimos. O dia que tivermos quantidade, o consumidor terá um preço menor — explica Janir Vigolo, presidente da Cooperativa de Agricultores Ecologistas de Antônio Prado e Ipê, uma das pioneiras no Estado a produzir orgânicos.
Criado em 1988, o grupo de produtores era chamado de “morcegos” na época.
— Diziam que a gente aplicava agrotóxicos à noite. Não acreditavam que era possível produzir sem usar nenhum químico — lembra Vigolo, que fundou a cooperativa com as famílias Zampieri, Forlin e Bellé.
Da desconfiança à consolidação
Hoje com 23 associados, a cooperativa tem quatro agroindústrias de sucos e molhos de tomates e 19 produtores de hortaliças e frutas voltados à venda direta em feiras e atacado. A persistência na produção ecológica, mesmo com um mercado menor e custos mais altos de produção, não é uma mera opção, mas uma convicção.
— Sempre tivemos a certeza que esse era o caminho — diz Jocilei Pontel Forlin, 41 anos, dona da Pérola da Terra, agroindústria de sucos, molho de tomate e geleias localizada no interior de Antônio Prado, na Serra.
Ainda aos 15 anos, a filha de pequenos produtores integrou o grupo de jovens que enfrentou a resistência à produção de orgânicos no final da década de 1980. Um dos poucos apoios vieram do padre João Bosco Schio, que emprestou a garagem da paróquia para os jovens se reunirem, e da agrônoma Maria José Guazzelli, fundadora do Centro Ecológico de Ipê e atuante na elaboração da Lei dos Agrotóxicos no Estado, na década de 1980.
Na época, sem conseguir vender frutas orgânicas na Serra, uniram-se a outros produtores e passaram a oferecer produtos no Brique da Redenção, em Porto Alegre. Desse movimento, nasceu a feira de orgânicos que funciona até hoje, ainda no mesmo lugar.
— Encontramos espaço nos grandes centros urbanos. Aqui (Antônio Prado), cultivar orgânicos era considerado coisa de louco — lembra a produtora.
Ao lado do marido Volmir Forlin, Jocilei produz hoje 150 mil litros anuais de sucos integrais e prontos para beber, molhos de tomate e geleias. A produção de uva, tomate e pêssego da propriedade é certificada como orgânica e vendida para todo o sul do país, além de São Paulo. Neste ano, a Pérola da Terra passou a receber visitas técnicas de agricultores, estudantes e consumidores.
Conhecimento técnico gerado por experiência
Diferentemente da agricultura convencional, com pacote tecnológico e assistência do plantio à colheita, a produção de orgânicos é dificultada devido à escassez de formação técnica no país. Com a maioria das pesquisas voltadas ao modelo disseminado pelo agronegócio, os agricultores ecológicos são levados a produzir conhecimento por conta própria.
— O produtor orgânico é também um pesquisador, pois muitos testes são feitos na lavoura para suprir a deficiência de assistência técnica. Boa parte da formação técnica é voltada à agricultura convencional. É preciso mudar essa lógica para estimular o crescimento da produção orgânica — diz Glauco Schultz, professor dos programas de pós-graduação de Desenvolvimento Rural e de Agronegócio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Com avanços significativos na produção orgânica de arroz, café, cana-de-açúcar, frutas e hortaliças no país, e a tendência de aumento no consumo pela população de maior renda, ações de incentivo prometem avançar com mais força.
Em 2013, o governo federal criou o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo). São medidas articuladas em 10 ministérios, formando 125 iniciativas nas áreas de produção, uso e conservação de recursos naturais, conhecimento, venda e consumo.
— A produção orgânica é estratégica para o país. Não pode ser vista apenas como um nicho de mercado — aponta o coordenador de Agroecologia da Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário e Cooperativismo do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Rogério Dias.
Os esforços do governo, afirma Dias, estão concentrados na educação, com a criação de núcleos de agroecologia e produção orgânica em universidades públicas:
— O avanço da pesquisa nessa área ajudará a agricultura convencional, que precisa também do controle biológico para reduzir barreiras fitossanitárias, como a resistência de plantas a agrotóxicos.
Com legislação própria desde 2003, a produção orgânica passou a ser certificada obrigatoriamente desde 2011 no mercado brasileiro, com um selo específico para o consumidor identificar o produto. A ação busca diferenciar os orgânicos e informar o que está por trás da agricultura ecológica.
Certificação garantida
O produtor deve fazer parte do Cadastro Nacional de Produtores Orgânicos, o que
é possível apenas se estiver certificado por um dos três mecanismos abaixo:
Auditoria: a concessão do selo SisOrg é feita por uma certificadora pública ou privada credenciada no Ministério da Agricultura. A avaliação obedece critérios internacionais, além de requisitos técnicos estabelecidos pela legislação brasileira.
Controle na venda direta: a legislação brasileira abriu exceção na obrigatoriedade de certificação dos produtos orgânicos para a agricultura familiar. Exige-se, no entanto, que o produtor se credencie a uma associação que seja cadastrada em órgão fiscalizador oficial.
Participativo de garantia: caracteriza-se pela responsabilidade coletiva dos membros do sistema, que podem ser produtores, consumidores, técnicos e demais interessados. Para estar legalizado, o sistema tem que ter um Organismo Participativo de Avaliação da Conformidade (Opac) legalmente constituído, que responderá pela emissão do SisOrg.
Fonte: Agência RBS