Cozinhar vegetais reduz o teor de ingredientes bioativos e sua atividade antioxidante? Qual a forma ideal de prepará-los, preservando as propriedades fundamentais desses alimentos?
Confira nesta matéria da Agência Fapesp que, para responder a perguntas como essas, foram realizados uma série de estudos com apoio da FAPESP no Instituto de Saúde e Sociedade (ISS) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), sob a coordenação da professora Veridiana Vera de Rosso.
Sem regra específica para todos os alimentos
“A conclusão a que chegamos até o momento é que não há uma regra válida para todos os alimentos. Depende, por exemplo, se o composto é solúvel em água, como as antocianinas, ou se é lipossolúvel, como os carotenoides. Da forma como está armazenado no vegetal, que no caso de carotenoides pode ser cristaloide, globular-tubular ou de cristal líquido”, explicou a pesquisadora.
Segundo ela, fatores como se o alimento, por exemplo, está ligado a outras moléculas, como proteínas, que são desnaturadas pelo calor durante o preparo, podendo facilitar a extração.
Depende ainda da textura do alimento, do teor de água e de fibras.
Na avaliação de Veridiana Rosso (ao lado), não é possível dizer que um determinado tipo de processamento é melhor para todos os vegetais.
Mas também não é possível afirmar que é sempre melhor consumir o alimento cru, ou seja, não há uma resposta científica definitiva para qual a forma ideal de preparar os alimentos.
Estudos foram realizados com cozimento por imersão, a vapor e refogado
No trabalho mais recente, publicado na revista Food Chemistry, o grupo investigou o que acontecia com três classes de substâncias antioxidantes presentes na couve e no repolho roxo quando esses vegetais eram submetidos a três diferentes formas de preparo: cozimento por imersão na água, cozimento a vapor e refogado.
“Escolhemos as três formas de preparo mais empregadas no Brasil e buscamos deixar os alimentos na textura que seria agradável para a alimentação humana. Em seguida, a extração dos compostos antioxidantes presente nas amostras foi feita em laboratório”, explicou de Rosso.
No caso dos carotenoides, grupo representado pelos pigmentos que vão do amarelo ao vermelho, todas as formas de preparo levaram a uma redução significativa do teor de compostos bioativos na couve, sendo que a menos prejudicial foi o refogado.
Enquanto a folha crua apresentou 155 microgramas de carotenoides totais (19 diferentes substâncias dessa classe foram avaliadas) por grama de alimento (μg/g), o número caiu para 35 μg/g na couve cozida por imersão; 43 μg/g na cozida no vapor; e 69 μg/g na refogada.
No caso do repolho roxo diferença não foi significativa devido ao baixo teor de caratenoides
Já no repolho roxo, como o teor de carotenoides é naturalmente baixo, a diferença não foi significativa. Em relação às antocianinas (pigmentos do vermelho-alaranjado, ao vermelho vivo, roxo e azul) do repolho, o cozimento a vapor até mesmo favoreceu a extração dos compostos em laboratório, proporcionando aumento significativo do teor desses compostos.
Da folha crua foi possível obter 23,9 miligramas de antocianinas (6 diferentes substâncias dessa classe foram avaliadas) por 100 gramas do vegetal (mg/100g).
No repolho cozido por imersão o número caiu para 14 mg/100g; no cozido a vapor ocorreu aumento para 28,9 mg/100g; e no refogado para 25 mg/100g.
“Como o repolho tem alto teor de fibras, a extração dos compostos é mais difícil quando a folha está crua. O cozimento a vapor promoveu o abrandamento do tecido, favorecendo a extração”, explicou de Rosso.
Segundo a pesquisadora, pode-se inferir que o mesmo ocorre em nosso organismo, ou seja, o cozimento faz com que esses antioxidantes do repolho fiquem mais biodisponíveis para o processo digestivo. Mas, como as antocianinas são solúveis em água, deve-se evitar o cozimento por imersão, pois ocorre uma grande perda durante o processo.
Couve: refogado preservou mais o nutriente
A terceira classe de substâncias antioxidantes avaliadas foi a dos compostos fenólicos.
No caso do repolho, o cozimento a vapor novamente aumentou a quantidade de substâncias extraídas em comparação à folha crua, passando de 49 mg/100g para 91,4 mg/100g. O cozimento por imersão reduziu para 23,6 mg/100g e o refogado elevou para 53,3 mg/100g.
Já na couve as três formas de preparo causaram redução na quantidade de compostos fenólicos extraída, sendo que nesse caso o cozimento a vapor foi o mais prejudicial (passando de 28,5 mg/100g na folha crua para 18,6 mg/100g) e o refogado o que mais preservou o nutriente (passando para 26,9 mg/100g).
Ação antioxidante nas células
O passo seguinte foi avaliar em culturas de células a atividade antioxidante desses dois alimentos, tanto na forma crua como na cozida por imersão, cozida a vapor e refogada.
“Adicionamos o extrato do alimento no meio celular e esperamos cerca de duas horas para que ele fosse metabolizado. Em seguida, adicionamos à cultura uma substância geradora de radicais livres e também uma outra substância que reage com esses radicais livre formados e torna-se fluorescente. Quanto maior é a capacidade dos antioxidantes dos alimentos de desativar os radicais livres, menos as células ficam fluorescentes”, contou de Rosso.
Cozimento a vapor preservou melhor ação antioxidante
Segundo a pesquisadora, de maneira geral, o cozimento a vapor foi o que melhor preservou a atividade antioxidante tanto na couve quanto no repolho roxo, embora as três formas de preparo tenham demonstrado ação antioxidante significativa.
Os experimentos relatados na Food Chemistry contribuem para elucidar alguns pontos que de Rosso e colaboradores já haviam apontado.
Trata-se do baixo nível de evidência em duas revisões de literatura sobre o tema – uma já publicada na revista Food Research International e outra recentemente aceita na revista Critical Reviews in Food Science and Nutrition.
Controvérsia: mesma técnica de preparo resulta em respostas diversas para diferentes vegetais
“Nas duas revisões avaliamos cerca de mil trabalhos da literatura científica e observamos uma controvérsia enorme nos resultados. O que podemos concluir é que os componentes estão armazenados de maneira diferente em cada matriz alimentícia e isso determina se ele é mais ou menos estável quando submetido ao cozimento. Portanto, usando a mesma técnica de preparo podemos obter respostas diferentes para diferentes vegetais”, afirmou.
Fonte: Agência Fapesp/Karina Toledo