O uso de ferramentas da pesquisa e desenvolvimento para a produção de milho orgânico é o destaque da matéria Agência Fapesp que o Diário Verde repercute. Confira abaixo.
A agricultura orgânica já é realidade em mais de 1.200 cidades em todo o país, e o mercado vem crescendo de forma expressiva a uma taxa anual de 20% a 30%, segundo contabiliza o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
E justamente para atender o crescimento do consumo de alimentos saudáveis, também aumentou a quantidade de agricultores que optaram por esse sistema de produção em cerca de 51,7%, entre janeiro de 2014 e janeiro de 2015, passando de 6.719 para 10.194, conforme informações do Mapa.
No final de 2015, o Cadastro Nacional de Produtores Orgânicos já contabilizava 11.084 participantes. E a projeção para este ano é que o setor continue expandindo entre 20% a 30%.
Neste cenário, existe necessidade de responder às demandas tecnológicas do setor define uma nova fronteira para as iniciativas em pesquisa, desenvolvimento e inovação.
Exemplo disso foi o projeto “Milho orgânico em consórcio com adubos verdes: opção para o sistema de plantio direto e a integração lavoura-pecuária”.
A pesquisa foi conduzido por Anastacia Fontanetti (ao lado) e apoiado pela FAPESP em acordo de cooperação com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
“Buscamos uma alternativa para o controle de plantas espontâneas (popularmente chamadas de ‘ervas daninhas’), que constituem o principal problema enfrentado pelos produtores de milho orgânico”, disse Fontanetti à Agência FAPESP.
A pesquisadora é professora do Departamento de Desenvolvimento Rural da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
Agricultura convencional e orgânica: glifosato x revolver a terra
Na agricultura convencional, baseada em sementes transgênicas e uso intensivo de herbicidas e outros aditivos químicos, esse controle é feito principalmente por meio do glifosato (N-(fosfonometil) glicina).
Na agricultura orgânica, a principal forma de controle adotada até o presente tem sido o revolvimento do solo.
“Porém, com o revolvimento, ocorre perda de matéria orgânica, exposição à erosão, enfim, o início de um processo de depauperamento do solo que vai contra o objetivo da agricultura orgânica”, comentou a pesquisadora.
A ideia que norteou seu estudo foi substituir a prática do revolvimento pelo cultivo de plantas que, consorciadas com o milho, promovessem a cobertura do terreno, evitassem a emergência e proliferação de ervas daninhas e melhorassem a qualidade do solo, por meio da reciclagem natural de nutrientes.
Para cumprir tal papel, essas plantas vivas, chamadas de “adubos verdes”, não podem competir com o milho, reduzindo a produtividade.
A barreira proporcionada pelos “adubos verdes” à proliferação de plantas espontâneas se deve, principalmente, à cobertura física do solo.
Esta reduz a incidência dos raios solares e, por decorrência, dificulta a quebra de dormência e a germinação das sementes de ervas daninhas.
Um fator adicional pode ser a liberação de metabólitos secundários, com função herbicida, pelas folhas e raízes ou pela decomposição da palha dos “adubos verdes”.
Feijão guandu foi a melhor planta para fazer consórcio com o milho orgânico: dificultou ervas daninhas, aumentou o teor de nitrogênio do cereal e é usado na gastronomia
“Isso não é uma novidade em termos tecnológicos. Existe já bastante pesquisa a respeito. E a Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária] desenvolveu um modelo, chamado ‘Santa Brígida’, porque foi criado na fazenda com esse nome, para o plantio consorciado.
Porém, até agora, tal manejo vinha sendo realizado nos moldes da agricultura convencional, com uso de herbicidas. Nosso objetivo foi estabelecer um manejo para a produção orgânica”, afirmou Fontanetti.
A pesquisadora testou algumas plantas candidatas ao consórcio. Dentre elas, a que apresentou o melhor resultado foi o feijão guandu anão (Cajanus cajan L.). Trata-se de uma planta de porte pequeno, que demora mais tempo para germinar do que o milho, e, por isso, confere a este uma vantagem competitiva.
“Verificamos que o guandu anão não afetou a produtividade do milho, dificultou a proliferação de plantas espontâneas e aumentou o teor de nitrogênio nas plantas de milho – o que pode contribuir para o incremento de biomassa e de produtividade”, informou a pesquisadora.
Além disso, o feijão guandu anão é, ele mesmo, uma planta de interesse.
Devido ao alto teor proteico, em algumas localidades do Brasil é utilizado na alimentação humana.
E o sabor agreste, que pode ser matizado por meio de um preparo adequado, já facultou sua inclusão em páginas de gastronomia da internet.
Outro uso possível é como planta forrageira na alimentação animal. Por exemplo, soltando-se o gado na área cultivada depois da colheita do milho.
“Fizemos vários testes para descobrir também a melhor forma de plantio. O resultado mais favorável foi obtido quando plantamos o guandu anão tanto nas entrelinhas das fileiras de milho quanto nas próprias linhas, entre um pé de milho e outro”, acrescentou Fontanetti.
Culturas perenes
Outras plantas testadas, com tradição de uso na alimentação animal, foram a puerária (Pueraria phaseoloides (Roxb.) Benth), o calopogônio (Calopogonium mucunoides Desv.) e a soja perene (Neonotonia wightii (Wight & Arn) Lackey)).
São plantas herbáceas baixas, menores do que o guandu e bem menores do que o milho. O melhor resultado foi obtido com o calopogônio, que mais rapidamente cobriu o solo, evitando a emergência de plantas daninhas.
Controle de ervas daninhas é realizado com vinagre, fogo ou até choque elétrico
Dentre as estratégias utilizadas pelos produtores orgânicos para controlar as ervas daninhas nas culturas de milho, devem-se mencionar ainda o uso de vinagre (ácido acético) como herbicida, o controle por meio do fogo e o emprego de um novo equipamento, já disponível no mercado, que extermina a planta indesejável por meio de choque elétrico.
“Considerando essas várias opções de manejo, o plantio consorciado me parece a melhor opção, não só pelo benefício direto ao milho, como pelo melhoramento do solo, evitando a erosão e agregando matéria orgânica”, ponderou a pesquisadora.
Após a colheita do milho, os adubos verdes são mantidos no solo, pois constituem culturas perenes.
Como regra de manejo, Fontanetti recomenda que, depois de retiradas as espigas, as plantas de milho e os “adubos verdes” sejam roçados e seus resíduos mantidos sobre o solo como cobertura.
“Ao se decompor, os resíduos vegetais e as raízes agregam matéria orgânica ao solo. Além disso, é melhor não revolver a terra, mas plantar em cima. O princípio é revolver o solo o mínimo possível. Tanto para preservar os nutrientes como para não expor as sementes de ervas daninhas à luz e ao calor, o que favoreceria sua germinação”, concluiu.
Fonte: Agência Fapesp /José Tadeu Arantes