O que diz a ciência?

Por Fleury Tavares  

 

PESQUISA SINALIZA BENEFÍCIOS PARA A SAÚDE HUMANA

Dentre as suas propriedades, o sorgo é rico em antioxidantes, com valor nutricional semelhante ao do milho em termos de proteína, gordura e carboidratos, sendo ainda fonte de fibras. Por ser isento de glúten pode ser usado livremente em dietas específicas para pessoas portadoras da doença celíaca (*).

E ainda tem mais: estudos recentes em ensaios com animais de laboratório apontam  que a presença em alguns cultivares de sorgo, de alguns compostos denominados bioativos – como por exemplo, as antocianinas, os taninos (**) e o amido resistente – , podem prevenir doenças como a obesidade, o câncer e o diabetes.

É importante destacarmos que nenhuma destas descobertas científicas teriam sido conhecidas sem o trabalho e a dedicação de pesquisadores e cientistas da Embrapa Milho e Sorgo/MG, Embrapa Agroindústria de Alimentos/MG, Embrapa Agroindústria de Alimentos (RJ), Embrapa Agroindústria Tropical (CE), Embrapa Clima Temperado (RS),  e Universidades Federais de Viçosa (UFV)/MG, de Minas Gerais (UFMG) e de São João del-Rei/MG.

Atualmente também estão integradas ao projeto, as Universidades de Brasília (UNB),  Federal de São Paulo (UNIFESP) e Estadual de Campinas/SP (Unicamp), contribuindo com pesquisas desenvolvidas por alunos de mestrado e doutorado .

Confira abaixo a entrevista com a pesquisadora Valéria Aparecida Vieira Queiroz, da área de Nutrição e Segurança Alimentar da Embrapa Milho e Sorgo, Sete Lagoas/MG, que detalhou os avanços da pesquisa científica.

DV – Como surgiu a ideia de estudar o sorgo na alimentação humana?

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Foto: Embrapa Milho e Sorgo

Valeria Queiroz – Devido à busca crescente por produtos sem glúten, identificamos o sorgo como um cereal com muito potencial para suprir essa demanda, pois, além do fato de não conter glúten, apresenta-se com baixo custo de produção, se comparado com outras culturas, como o milho e o arroz. Então, por que não usá-lo no Brasil?  Afinal, é um cereal com outro qualquer, utilizado na alimentação humana há milhares de anos nos continentes da África e Ásia.

Ao buscar mais informações sobre a planta, comecei a observar que em outros países como os EUA, por exemplo,  os estudos sobre os benefícios  na alimentação humana já estavam sendo realizados. Nesta época, as pesquisas científicas pioneiras já mostravam o potencial do grão como um alimento rico em compostos bioativos, ou seja, que possuem  alguma função na promoção da saúde.

A partir de então, começamos um projeto visando avaliar centenas de linhagens de sorgo em busca daquelas que tivessem maiores teores de nutrientes e desses compostos bioativos. Após a identificação desses cultivares superiores iniciaram-se os estudos dos impactos do sorgo na promoção da saúde.

DV – Quando foi iniciado o projeto e os estudos científicos com o sorgo acerca dos benefícios para a saúde humana?  

Valeria Queiroz – Aqui no Brasil, na década de 80 foi iniciado um trabalho de desenvolvimento de produtos de panificação com substituição parcial (cerca de 20%) de farinha de trigo por farinha de sorgo, mas na época, o foco  era apenas de reduzir o custo dos produtos à base de trigo.

Com o aumento da produção de trigo no país (embora o país não seja autossuficiente e ainda importa o cereal ) o preço foi caindo e esse trabalho não teve continuidade.

Em 2008, a Embrapa começou a trabalhar com o sorgo para alimentação humana sob um novo aspecto, o de utilização do cereal em sua forma integral e com substituição total do trigo, visando a promoção da saúde e a produção de alimentos sem glúten. A ideia retomada foi a da utilização do grão e da farinha de sorgo para pessoas celíacas (*) ou com algum grau de intolerância ao glúten, ao mesmo tempo buscando identificar determinados cultivares do sorgo que tivessem estes compostos bioativos.

DV – Há outras universidades e instituições, além da Embrapa envolvidas no projeto?

Valeria Queiroz – Sim, a Embrapa Milho e Sorgo trabalhou na identificação de linhagens promissoras em termos de nutrientes e de compostos bioativos e está desenvolvendo cultivares mais ricas nestes compostos. Visando aumentar as pesquisas nessa linha do uso do sorgo para alimentação humana, começamos a fazer parcerias com as Universidades Federais de Viçosa (UFV)/MG, de São João del-Rey-MG (UFSJ/SL), de Minas Gerais (UFMG), de São Paulo (UNIFESP), Universidade de Brasília (UNB), e Universidade Estadual de Campinas ( Unicamp).

O principal objetivo dessa integração é que por tratar-se de um projeto de ampla envergadura,  cada instituição com seu “know-how” poderia trabalhar em uma determinada área científica. Por exemplo, os professores do departamento de Nutrição da UFV têm experiência em trabalhar com ensaios “in vivo” em cobaias e em humanos para avaliar o potencial destes compostos bioativos e antioxidantes do sorgo.

Já os colegas da UFMG começaram a trabalhar com o desenvolvimento de pães sem glúten, enquanto o pessoal da Embrapa Indústria de Alimentos trabalhou com extrusão – processamento de alimentos com o sorgo para desenvolver produtos como os cereais matinais e farinha solúvel.

Em resumo, cada instituição fez uma parte deste primeiro projeto que terminou no final de 2014. No ano passado todas as entidades e instituições envolvidas aprovaram a segunda fase do projeto para avançar um pouco mais.

Uma das metas dessa segunda etapa é avaliar o efeito do processamento e do armazenamento nas propriedades antioxidantes dos grãos de sorgo e dos produtos. Dessa forma,  poderemos saber como se comportam os compostos bioativos em diferentes situações, na farinha, nos grãos, ou nos produtos (alimentos) feitos com o sorgo e qual tipo de processamento (em forno, cozidos, fritos etc) provoca maiores perdas desses compostos e quais permitem maior retenção.

Os trabalhos da UFV visando avaliar os efeitos dos compostos bioativos de sorgo sobre parâmetros relacionados à saúde humana, como por exemplo, nos níveis de glicose, de colesterol e de triglicerídios no sangue de cobaias e de humanos continuam avançando nessa nova etapa do projeto.

DV – O que se sabe é que o sorgo tem composição química semelhante ao milho em proteína, gorduras e carboidratos. O que a pesquisa já demonstrou de benefícios?

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Foto: Embrapa Milho e Sorgo

Valeria Queiroz – Sim, as pesquisas mostram que além dos nutrientes, os grãos de sorgo possuem, também, compostos fenólicos como antocianinas, ácidos fenólicos e taninos (**) (em alguns cultivares), entre outros, que têm função na promoção da saúde humana.

Mas é importante destacar que tais propriedades são características específicas de alguns tipos de sorgo e não de qualquer grão de sorgo adquirido no mercado. É exatamente por isso que, nesta primeira etapa do projeto, foram avaliados centenas de genótipos diferentes de sorgo, para identificarmos quais os que possuem maiores teores de determinados compostos bioativos.

Agora nesta segunda fase, o grupo de melhoramento genético da Embrapa está trabalhando com os genótipos  selecionados visando desenvolvimento de cultivares superiores de sorgo com potencial para promoção da saúde.

Como já foi citado, após identificação dos genótipos superiores, estamos investigando se o ambiente, ou seja, o calor, o oxigênio, a luz etc, afetam, e em que grau, os níveis desses compostos nos grãos, na farinha e nos produtos de sorgo. Isto porque, o fato de serem identificados altos teores de determinado composto nos grãos, não significa que eles permanecerão altos após serem submetidos a algum tipo de processamento.

Além disso, cada composto apresenta um comportamento diferente dependendo do tipo de processamento a que foi submetido, podendo apresentar de 0 a 100% de retenção ou de perda. Por isso é tão importante essa fase do projeto, sem essas respostas, ainda não podemos afirmar com certeza que o produto à base de sorgo traz benefícios à saúde, apenas que eles têm um grande potencial nesse aspecto.

Agora, estamos aguardando os resultados dos ensaios ‘in vivo’ em relação à ação antioxidante desses compostos no organismo, ou seja, se após a ingestão, digestão e absorção, eles realmente são capazes de promover algum benefício à saúde.

DV – Já está demonstrado que o sorgo não possui glúten. Então, pode ser usado por pessoas portadoras de doença celíaca (*)? Quais alimentos?

Valeria Queiroz – Sim, o sorgo vem despontando como uma importante alternativa alimentar para os celíacos, pois, os grãos podem ser utilizados de forma integral. Os produtos sem glúten usualmente encontrados no mercado são produzidos com farinhas de arroz polido, amido de milho ou féculas de batata ou de mandioca, ou seja, matérias-primas pouco nutritivas constituídas basicamente de amido.

No passado os grãos de sorgo eram decorticados, ou seja, era retirada a película que encobre o grãozinho (o pericarpo), onde justamente se concentra a maior parte dos nutrientes e dos compostos bioativos. No entanto, atualmente, a ideia é de se usar o cereal em sua forma integral, o que o torna mais nutritivo. Assim, todo o trabalho tem sido desenvolvido  com o sorgo integral, ou seja, os grãos são moídos com o pericarpo.

Diversos produtos foram desenvolvidos no projeto como bolos, pães, biscoitos, doces, etc e foram bem aceitos pelos avaliadores nos testes sensoriais.

DV – Qual a importância do tanino como antioxidante presente no sorgo?

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Foto: Embrapa Milho e Sorgo


Valeria Queiroz –
No Brasil, poucos cultivares disponíveis no mercado possuem tanino. Entretanto, estudos têm demonstrado que esse composto possui alta capacidade antioxidante e pode contribuir para redução da proliferação de células de alguns tipos de câncer.

Além disso, os taninos têm a capacidade de se complexarem com o amido diminuindo sua digestibilidade. Essa característica é bastante desejável em casos de obesidade e de diabetes, por exemplo, pois, essa complexação dos taninos com o amido, supostamente, causa redução da absorção de glicose e, consequentemente, diminui o aporte de calorias e a glicemia.

Pelo menos é o que algumas pesquisas feitas no exterior têm demonstrado, entretanto, mais estudos são necessários para confirmar essa hipótese. Aqui no Brasil, a UFV em parceria com a Embrapa Milho e Sorgo já está trabalhando neste sentido.

Por enquanto,  resultados dos ensaios com animais têm mostrando uma certa tendência na redução da glicemia e melhoria de alguns parâmetros anti-inflamatórios. Porém, necessitamos continuar avançando nessa linha de pesquisa para demonstrar que os alimentos produzidos com sorgo – principalmente aqueles com tanino (**) – possam realmente trazer estes benefícios.

DV – Mas qual é a variedade de sorgo indicada como alimento funcional e benéfico aos celíacos?


Valeria Queiroz –
Para os celíacos qualquer cultivar de sorgo granífero pode ser utilizada  porque os grãos de sorgo não possuem glúten.

Nós já identificamos linhagens de sorgos com teores superiores de compostos bioativos, mas as pesquisas que comprovam que eles têm efeito concreto na saúde ainda estão em andamento. Além disso, cultivares de sorgo com essas características ainda estão sendo desenvolvidas à partir dessas linhagens, portanto, ainda não estão sendo comercializadas.

DV – Quais alimentos podem ser feitos a base de sorgo? Há diferença no sabor? 

Valeria Queiroz – Qualquer produto originalmente feito com outro tipo de cereal como bolos, pães e biscoitos  podem ser, também, feitos com farinha de sorgo. Além da farinha, podem-se utilizar os grãos de sorgo para o preparo de pipoca, saladas, sopas etc.

Nesse projeto, a Embrapa Milho e Sorgo, a Embrapa Agroindústria de Alimentos, a UFSJ, a UFMG a UNB e a UNIFESP já desenvolveram cookies, bolos, cereais matinais, pães, barrinhas de cereais, pão de queijo e sorvete (com acréscimo do farelo de sorgo), entre outros.

Todos esses produtos foram  submetidos à análise sensorial para se verificar a aceitação, tanto por pessoas celíacas (*) quanto não celíacas, e os resultados foram muito positivos, demonstrando uma boa aceitação de todos eles. Esses resultados se devem ao fato do sorgo possuir um sabor suave, o que é uma outra vantagem do cereal.

(Leia mais sobre o Grão Versátil…)


 (*) Os portadores da doença celíaca não podem consumir alimentos com glúten, pois essa proteína pode desencadear reações alérgicas nessas pessoas.  Cerca de dois milhões de pessoas são portadoras da doença, embora muitas não apresentem sintomas graves ou tenham sido diagnosticadas, segundo a Federação Nacional das Associações de Celíacos no Brasil.
(**) Cultivares de sorgo com tanino, substância cuja concentração depende  da constituição genética do material. Segundo o pesquisador Frederico Barros, do Departamento de Tecnologia de Alimentos da Universidade Federal de Viçosa (UFV), as cultivares com tanino possuem sabor mais adistringente e podem contribuir para inibição da proliferação de células de câncer de esôfago e cólon, conforme pesquisa conduzidas pela UFV com ratos – Pesquisas revelam propriedades antioxidantes no sorgo (2014) (https://www.embrapa.br)