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Hortelões Urbanos: do Facebook ao cultivo de hortas comunitárias nos espaços públicos de SP

Por Fleury Tavares

Colaborou Cristiane Sauandaj 

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Hortelões Urbanos: do Facebook para espaços públicos em SP. Foto: Paula Pops

Atualmente é muito comum nas  grandes, médias ou até mesmo pequenas cidades a produção de hortas comunitárias e individuais, onde os moradores além de produzirem alimentos fresquinhos, também ajudam a conscientizar as pessoas da importância de uma comida saudável.

Na realidade, no Brasil e em muitos países tal iniciativa vem tomando corpo e já existem grupos  que não podem ser classificados como movimento, organização ou entidade. São apenas pessoas com ou sem experiência prática  interessadas em cultivar comunitariamente em espaços públicos.

Diário Verde já mostrou algumas dessas iniciativas como a do jornalista Alex Branco que transformou o quintal da sua casa em um “sítio na cidade de S.Paulo”, produzindo sua própria comida – como verduras, frutas, legumes, temperos e até cogumelos.

Do outro lado do mundo, contamos a história dos moradores de um  bairro de Sunshine Coast, Austrália, onde a simples ideia de plantar limões, transformou-se em uma grande e diversificada produção de alimentos nas suas próprias calçadas.

Há também o interessante exemplo da família norte-americana Dervaes que produz 3 toneladas de alimentos orgânicos no próprio quintal em Pasadena, Califórnia, e ainda de quebra ganha uma renda extra pela venda dos excedentes. 

Ou ainda a história do farmacêutico Angelo Eliades que transformou espaço de 60 metros quadrados em uma “mini-fazenda urbana” na cidade australiana de Melbourne.

A troca de experiências sobre plantio orgânico doméstico pode inspirar cada vez mais pessoas, cuja ideia nada mais é do que uma horta cultivada em espaços públicos da cidade 

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Mutirão em horta comunitária. Foto: Paula Pops

Mas, em São Paulo existe o grupo Hortelões Urbanos, criado em 2011, reunindo pessoas interessadas em trocar experiências pessoais sobre plantio orgânico doméstico de alimentos e que também inspirou a formação de hortas comunitárias.

As jornalisas Claudia Visoni e Tatiana Achcar – além de outras  pessoas –  criaram no Facebook o grupo Hortelões Urbanos, um espaço virtual para trocar experiências e dicas de plantio doméstico de alimentos.

Juntaram  esforços com  Daniela Cuevas, Juliana Gatti e um grupo de interessados que participava da troca de sementes e mudas no Parque da Luz para daí colocar a mão na terra no cultivo das hortas.

A ideia que nada mais é do que cultivar uma horta em espaços públicos na cidade de São Paulo, prosperou e acabou gerando intervenções coletivas como na Vila Madalena (Horta das Corujas), Av. Paulista (Horta do Ciclista) e na Vila Pompeia (Horta Comunitária da Pompeia).

Mas é importante que se diga que os Hortelões não controlam ou organizam atividades de agricultura urbana, não são e nem pretendem ser uma organização. Vários dos membros desse grupo atuam em hortas comunitárias e outras iniciativas relacionadas, assim como boa parte dos participantes desses projetos sequer fazem parte da rede social.

Para saber mais sobre  esta experiência comunitária, Diário Verde conversou com  Claudia Visoni (abaixo), que é ambientalista e integra o Conselho do Meio Ambiente do bairro de Pinheiros. Confira abaixo a entrevista. As imagens são da fotógrafa Paula Pops Lopes.

 

DV – Quando, onde e como surgiu o projeto?

Claudia Visoni –  Os Hortelões Urbanos não é um projeto. É uma rede social que fica no Facebook. Surgiu em  julho de 2011 após um workshop onde eu conheci a Tatiana Achcar, e aí resolvemos criar o grupo.

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A jornalista Claudia Visone em horta comunitária. Foto: Paula Pops

DV –  Qual a iniciativa prática dos Hortelões Urbanos?  Como as pessoas se reúnem?

Claudia Visoni – O grupo Hortelões Urbanos como falei é  uma rede social, ou seja, não tem nenhuma iniciativa prática. As pessoas que compõem o grupo, eventualmente, desenvolvem práticas.

Não existem associados, apenas membros que, muitas vezes, alguns deles estão envolvidos em hortas comunitárias ou em suas casas. Também há os que participam nos grupos das hortas e não têm nenhuma relação com os Hortelões.

DV – E a ideia de ocupar os espaços públicos abandonados para a prática de agricultura urbana? Como isso foi feito?

Claudia Visoni – Foram conversas que foram surgindo em debate entre os participantes da rede social. Mas ao longo do tempo, os que foram ocupando as praças, muitas vezes não eram os mesmos que participaram das conversas iniciais ainda no ambiente virtual.

Depois vieram outras pessoas que  foram se agregando ao grupo, apenas pelo simples desejo de cultivar comunitariamente num espaço público. Ou seja, retomar um hábito ancestral, que é o cultivo de alimentos na cidade, além de viver uma experiência colaborativa.

Hortelões ‘ocupam’ espaços públicos abandonados para cultivar hortas. Foto: Paula Pops

DV –  Como é o relacionamento com o poder público diante desta iniciativa?

ClaudiaVisoni – A relação é muito ambígua. Isto porque, alguns setores do poder público apóiam, acham interessante, mas já outros setores resistem. Algumas hortas estão em subprefeituras, cidades diferentes etc. Então, prefiro falar apenas sobre a Horta das Corujas e a Horta dos Ciclistas, nas quais eu trabalho. Embora haja uma “aceitação” dessa  atividade que a gente faz,  não existe apoio, incentivo ou ajuda da prefeitura.

DV –  E qual foi a reação da comunidade? A horta é respeitada?

Claudia Visoni – Há diversas reações. Existem algumas pessoas contrárias, por acharem que uma horta é uma coisa feia, desnecessária, mas essa posição está sendo cada vez mais minoritária.

Mas, também, há outras que apóiam, visitam e acham interessante.

Mas, de fato, pouquíssimas pessoas realmente trabalham nela, como também existem aqueles que frequentam a horta  apenas para roubar mudas, mas depredação mesmo não ocorre.

DV –  Você conta, num dos vídeos que assisti, sobre a troca de mudas e sementes. Fale um pouquinho sobre isso. 

Claudia Visoni –  Aconteceu até recentemente  durante  um evento, capitaneado pela Daniela Pastana Cuevas, que criou uma rede chamada Projeto Semear Conhecimento, que tem organizado esses encontros de trocas de sementes e mudas em várias cidades, inclusive em São Paulo.

Eu vou apenas como uma simples participante.  Mas é uma oportunidade muito interessante para aprender, conhecer novas espécies, disseminar as sementes que a cultivamos em nossa nossa casa, além de obter acesso a outros tipos de sementes não-convencionais: crioulas ou filhos e netos das sementes convencionais.

A horta é um território na cidade, onde encontramos pessoas e conversamos com elas. Mas não existe hierarquia, trata-se de um processo meio orgânico de organização

 

DV – Como são organizadas as atividades voluntárias dos Hortelões? E os contatos, somente pelas redes sociais?

Horta dos Ciclistas na Avenida Paulista. Foto: PopsLopes

Horta dos Ciclistas na Avenida Paulista.
Foto: Paula Pops

Claudia Visoni –  Nós temos um grupo – falo apenas da Horta das Corujas e da Horta dos Ciclistas – em que conversamos, nos organizamos, agendamos encontros e trocamos notícias sobre as hortas.

Mas as demais também têm seus grupos nas redes sociais, em que tudo é feito espontaneamente.

Ou seja, não existe hierarquia ou nada muito rígido, trata-se de um processo meio orgânico de organização.

 Sim, mas também presencial.

Há muitas pessoas que frequentam a horta, por exemplo, mas  não mantém nenhum contato pela rede social.

A horta é um território na cidade, a gente vai até lá, encontra pessoas e começa a conversar com elas.

 

DV –   E como surgiram a Horta das Corujas e Horta dos Ciclistas? 

Claudia Visoni – A Horta das Corujas surgiu a partir de conversas que começaram nas redes sociais e passaram para o mundo real, então começamos a nos encontrar e planejar uma possível horta. Só que no meio do caminho,  alguém sugeriu que fosse  feita na Praça das Corujas, na Vila Madalena,  que é uma área bem grande. Inicialmente pensamos em fazer um esquema de guerrilha, ou seja, ir até lá e ocupar simplesmente.

Mas aí conhecemos a Madalena Buzzo, então conselheira do Meio Ambiente da Subprefeitura de Pinheiros, onde  atualmente também participo. Ela enviou um email ao subprefeito que achou a ideia interessante, mas assim meio sem saber o que aconteceria,  e aí nós começamos a ocupar o espaço. O único trabalho que não fizemos foi cercar a horta, realizado pela subprefeitura, na base do favor e da simpatia da Madalena.

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Tomate cultivado na Horta dos Ciclistas. Foto: Paula Pops

Já a Horta dos Ciclistas, na Avenida Paulista, foi uma ocupação espontânea, mesmo. Não conversamos com ninguém. Chegamos lá, o espaço estava muito degradado, muito lixo, cacos de vidro uma coisa bem horrorosa, resolvemos limpar e cuidar da área.

Recentemente conversamos com o subprefeito da Sé, mas não existe nenhuma relação formal da Subprefeitura em relação a essas duas hortas.

As hortas comunitárias são um outro modelo de ocupação do espaço público, de vida comunitária, então a principal colheita até agora é essa nova maneira de ser

DV – Dentro da comunidade existe uma relação comercial? As pessoas levam coisas de casa? Existe algum tipo de financiamento coletivo ou individual?

Claudia Visoni – Não, não existe. Inclusive esse  é um aspecto muito importante. Uma horta comunitária demanda principalmente  trabalho e insumos que vêm sobretudo de resíduos, como compostos, restos de madeira que viram suporte para canteiro e tudo que puder ser aproveitado.

As hortas também são uma maneira da gente manifestar que podemos cuidar do espaço público sem nenhum dinheiro. É possível e estamos falando de um grupo de pessoas voluntárias!  O investimento nesta atividade seria o pagamento para as pessoas que nela trabalham, mas as elas  não têm essa abordagem.

Até porque, a  gente vive numa sociedade muito viciada no dinheiro, todo mundo acha que não dá para dar um passo se não tiver dinheiro envolvido. As hortas comunitárias mostram que dá para produzir muita coisa, sem quase nenhum investimento. Claro, às vezes, fazemos  uma “vaquinha” para comprar uma enxada ou outro instrumento. Mas o valor é irrisório.

 

DV – E as sementes? Como é feita a seleção do que é plantado nas Hortas das Corujas e dos Ciclistas?

Morango cultivado na Horta das Corujas. Foto: Pops Lopes

Morango cultivado na Horta das Corujas.
Foto: Paula Pops

Claudia Visoni –  A gente produz em pequena escala, enquanto os agricultores profissionais cultivam numa escala bem maior.

E no Brasil há uma escassez incrível de sementes orgânicas, muitas vezes o próprio produtor convencional usa a semente de pacotinho, e conosco é a mesma coisa.

As sementes têm muitas origens. Então, as vezes compramos o pacotinho, em outras, conseguimos no encontro de troca de sementes uma que vem do interior,totalmente natural e assim por diante.

 

 

 

DV –  Mas como é definido o que será plantado?

Claudia Visoni – Olha, é totalmente espontâneo, quem está realmente trabalhando na horta é  que toma as decisões. Até porque, não existe hierarquia e o cultivo é uma criação das pessoas que se dedicam a essa atividade. Então quem participa é que está observando o lugar, planejando e plantando. Há poucas frutas como mamão, acerola, mas plantamo mais hortaliças e legumes.

Hortelões Urbanos faz parte de um movimento internacional de reconexão com a terra na busca uma agricultura que não esgote os recursos naturais, mais resiliente às mudanças climáticas e as várias crises que enfrentaremos neste século

DV – E quando a horta está no ponto de colheita, como é feita a distribuição dos alimentos? Existe algum tipo de vandalismo?

Claudia Visoni – A horta está num espaço público que  é de todo mundo. Qualquer pessoa pode entrar na horta, a qualquer hora e colher o que quiser, mas só pedimos que não levem a planta inteira. Mas, infelizmente, tem gente que leva para a casa para fazer o seu jardim roubando a muda de uma horta comunitária, onde nós, voluntários, tivemos um trabalho intenso para criar essas mudas.

A horta é pública e qualquer pessoa pode colher o que quiser, só se pede para não levar a planta inteira. Foto: Paula Pops

Muitas vezes cuidamos em  nossa casa durante dois ou três meses de uma muda até ela ficar grandinha.

Mas existem aproveitadores, que não são em grande número, embora atrapalhem bem e acho que esta atitude deve servir como uma reflexão sobre esta questão.

Afinal, estamos num momento político no nosso país, reclamando muito dos políticos, dizendo que eles são corruptos, e que  se aproveitam dos bens públicos.

No entanto, quando alguém vai numa horta comunitária roubar a muda de uma planta,  está fazendo exatamente a mesma coisa!

 

DV –  Que progressos você percebe, desde que começaram esta intervenção pública?

Claudia Visoni –  As hortas comunitárias são um outro modelo de ocupação do espaço público, de vida comunitária, então acredito que a principal colheita até agora é essa nova maneira de ser e de existir.

Estamos tão acostumados em viver em uma sociedade onde tudo é baseado na propriedade privada, no egoísmo, no dinheiro, em um querer passar a perna no outro,  e de repente percebemos que existe um outro mundo possível.

A colheita da salsinha, cebolinha, a taioba etc, é o lucro. A essência de iniciativas como essa dentro da cidade é a reconexão com a terra e essa vivência comunitária e igualitária.

 

DV – A multiplicação destas iniciativas, espontâneas e sem estrutura rígida, também pode proporcionar uma produção de alimentos mais saudáveis?  Você sente que está havendo uma influência em outras cidades ?

Claudia Visoni – A gente faz parte de um movimento internacional de reconexão com a terra e de um movimento que busca uma agricultura mais local, mais resiliente às mudanças climáticas e as várias crises que enfrentaremos neste século.

Não estamos sozinhos nessa. No mundo inteiro iniciativas semelhantes estão acontecendo, incentivadas pela ONU, O mundo acadêmico também está se debruçando sobre isso, há muitos estudos neste sentido.

Berinjela cultiva na Horta Centro Cultura SP. Foto: PopsLopes

Berinjela cultiva na Horta Centro Cultural SP.
Foto: Paula Pops

Até porque, a agricultura convencional de larga escala, centralizada, baseada em maquinário, grandes propriedades, insumos químicos etc., além de envenenar o meio ambiente e as pessoas, provavelmente vai colapsar nas próximas décadas.

Daí, precisamos  buscar uma agricultura sintrópica, que regenere, ao invés de exaurir os recursos naturais.

Uma manifestação desse movimento na cidade são as hortas comunitárias e as hortas domésticas, inclusive, para a educação ambiental e questionar o modelo convencional.

As pessoas que estão envolvidas nessas atividades, em geral são muito curiosas, antenadas e informadas em relação ao que está acontecendo no campo, atuando nas hortas comunitárias mas, também plantando em casa. São locais para você aprender, fazer, recuperar esses conhecimentos que nossos avós e bisavós e começar a fazer isso em casa.

 

DV –  Qualquer um pode se tornar um Hortelão Urbano, certo?  Como acompanhar ou participar deste movimento e o que você aconselha para um novo Hortelão?

Claudia Visoni – Sim, isso mesmo. Eu aconselho começar pequeno. Pôr a mão na massa e começar. Começar pequeno, começar pelas ervas aromáticas, discutir isso nas redes sociais com outros hortelões urbanos, conversar com outras pessoas, visitar as hortas comunitárias.

Cacimba da nascente na Horta das Corujas. Foto: Paula Pops

 

SERVIÇO DIÁRIO VERDE

Para encontrar mais informações e participar é só ir no grupo dos Hortelões Urbanos no FB que possui cerca de 30.000 pessoas.

Contatos e endereços – “As hortas e os hortelões. Onde estão?”

Roteiro colaborativo para quem está começando uma horta comunitária